terça-feira, 15 de dezembro de 2009

projecto ou se as casas não tivessem telhado, dormíamos com estrelas no tecto

vou soprar a poeira dos móveis
sem ninguém saber;
(com cuidado,
para não tossir)
a sujidade entranhada
é a sujidade estranhada
porque parece que não está
lá.

vai mudar tudo de sítio.
tem de ser.
não importa querer
vamos é devagar
para não riscar o chão.

põe ali o tapete,
nesse vaso
plantas plantas.
quantas?
umas tantas
que cheguem para
voltar a dar vida
à vida que a vida não dá.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

o tempo é subjectivo

hoje passa a ser ontem.

ontem escrevo quando quero
e ninguém vê
porque é passado
e as pessoas não olham para trás.

ficarei preso a ontem porque ontem
sou um fumo difuso
na memória de ninguém

e vou ficar aqui porque assim
sou o vidente de amanhã
e mato a surpresa dos dias.

domingo, 12 de julho de 2009

pode ser

tudo é infinito,
mas nada também.
entre tudo e nada,
fico sempre com o meio,
com o copo meio cheio,
da abundância ao bloqueio.

e vendo bem as coisas, aqui estou:
não acabo nada,
mas, por outro lado,
começo tudo.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

"Have a little faith in me"



John Hiatt - Bring The Family (1987)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

a noite de um sonho

hoje vou comer a lua
como
quem come
uma talhada de melancia.

hoje vou provar-te o olhar
e, se aprovar,
só eu o posso provar.

hoje vou sonhar que o mundo
é de outra cor
porque não quero esta
e já a sei de cor.

terça-feira, 24 de março de 2009

jogo do mata

vou escrever para não torcer pescoços.
vou escrever e espetar facas;
sentir os gumes afiados
matar como nos filmes.
vou ser um assassino

e escolher
quem morre
e
quem mata
a minha prosa.

segunda-feira, 23 de março de 2009

bolas de sabão

as bolas de sabão são como sonhos que flutuam e rebentam quando tocam na realidade que as envolve.
e mesmo assim não têm medo.

tenho de deixar de guardar coisas em bolas de sabão.
elas vão rebentar de qualquer maneira.

quinta-feira, 19 de março de 2009

É como diz a outra

não sei se me ouço
ou se esta voz é a minha
falta (re)conhecimento

não sei se o que digo
fui eu que pensei
não sei se aqui estou
porque fui eu que mandei
não sei se o que sou
fui eu que criei

não sei se me deixaram marcas
que não consigo apagar
(porque não as consigo entender)

não sei se me dói
(porque prefiro não saber)

sou cego porque não quero ver
e ensurdeço e finjo que não ouço
está tudo bem
se parece que está bem

e bem (ou mal), sou eu outra vez.
resta saber é quem.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"Coisas"

Leva qualquer eu a meu dia
Dá-me paz eu só quero estar bem
Foi só mais um quarto uma cama
No meu sonho era tudo o que eu queria

Quando alguém deixar de viver aqui
Espera que ao voltar seja para ti
Nada vai ser fácil
Nunca foi
Quando alguém deixar de te dar amor
Pensa que há quem viva do teu calor
Hoje é só um dia
E vai voltar amanhã
E não foi assim que o tempo nos fez
E fez assim com todos nós
E não foi assim que a razão nos amou
E fez assim com todos nós
São coisas
São só coisas

Se uma voz nos diz que é viver em vão
Pra que raio fiz eu esta canção
E se o fim é certo
Eu quero estar cá amanhã
E não foi assim que o tempo nos fez
E fez assim com todos nós
E não foi assim que a razão nos amou
E fez assim com todos nós
São coisas
São só coisas

Eu estou bem
Quase tão bem
Vê como é bom voltar a dizer
Eu estou bem
Quase tão bem
Vê como é bom voltar a dizer
Eu estou bem
Quase tão bem
Vê como é bom voltar a dizer
Eu estou quase a viver


Ornatos Violeta - O Monstro Precisa de Amigos (1999)

sábado, 29 de novembro de 2008

depois

como vai ser
quando for só eu
e as feras?

como vai ser
quando me deixares ir
embora?

como vai ser
quando todos olharem para mim
com olhar de reprovação?

como vai ser
quando os meus olhos
não encontrarem segurança?

como vai ser
ninguém me diz
porque sou eu quem tem de saber.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

sim,

talvez vá ter saudades.
sinto-me nostálgico:
pelos momentos que vivi
pelas coisas que senti,
por saber que estive aqui.
o meu rasto de vida,
de suor, lágrimas e amor
paira no ar, numa cor
cinzenta, poeirenta,
como se de cinquenta
anos se tivesse tratado.

mais frases feitas e um dia:
com licença.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

outra vez

as cordas puxam-me mais
uma vez os pés,
ou foge-me o tapete de baixo
e caio de cara no chão.
levei mais uns socos
que nem vi de onde vinham:
não os esperava.
parece que quanto mais me tiram os suportes
mais me aguento de pé.
não tenho medo,
deixem a areia cair-me entre os dedos
como se de uma ampulheta se tratasse.
que o vento a leve às dunas
e enterre os corvos
que me comiam a carne
sem eu saber.

terça-feira, 20 de maio de 2008

casulo metafórico

a larva transformou-se em mariposa,
saiu da sua casca velha e esbatida.
eis a perfeição da natureza!
olhai, curioso facto da vida:
a mesma lagarta de sempre,
mas sem medo de voar.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

fala comigo

a minha inspiração morreu,
parece que me entupi de ideias
e o que digo não sou eu
são só palavras cheias
do vazio que me habita.

esta folha de papel
já não me diz o meu grito,
mostra-me letras doces de mel
e um sufoco que acredito
não dizer o que penso
nem sentir o quero
fico nervoso, mais tenso,
rasgo a folha e desespero.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

amorte

nem penses.
o teu sangue insalubre
não me vai sujar as mãos.
vou só ficar a ver-te morrer,
a assistir a este espectáculo macabro.

o amor também mata
só que desta vez eu não tenho a faca na mão:
foste mesmo tu quem a espetou no coração.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

hoje não quero título nenhum

e também não vou escrever nada. não me apetece. hoje não vou escrever um poema. hoje vou imaginar um poema. um poema que só possa ser meu. um poema simples e cru. e não mo peçam, porque não o vou dar a ninguém.




este foi o meu poema. espero que tenham gostado tanto como eu.

sábado, 26 de abril de 2008

o poema instantâneo

abra a página de edição do seu blogue e respire fundo. escreva tudo de uma vez até formar um texto homogéneo: misture sentimento a gosto com algumas translineações interessantes e figuras de estilo q.b.; adicione alguns elementos externos ao tema propensos à metaforização, vá provando para ver se precisa de mais doçura, se ainda está amargo em demasia, adicione amor. pare um pouco para reler. reescreva a primeira frase, tem vento a mais. de seguida mexa fervorosamente a mistura que obteve, por forma a criar alguns jogos de palavras. quando achar que está pronto (normalmente, quando começam a vir bolhas ao de cima da massa poética), coloque o seu poema numa forma que ache adequada à sua condição e leve ao blogue durante pelo menos uma hora. depois de publicado deixe repousar; não coma ainda quente porque faz mal à barriga.

sábado, 19 de abril de 2008

Amor é

Amor é falar sem dizer nada.
Um calor no rosto: corar
E nos olhos, uma cor molhada.
É uma falta de ar

Que aperta com força os pulmões,
É um abraço e um olhar,
É um encontro de emoções.
Que sem fim, como o mar,

Com um beijo longo nos molha
Ou em choros secos se desfolha.


Este poema foi escrito em parceria com Sara Serra.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

embriaguez sinestésica

estou louco.
eu sei que estou louco.
não quero saber.
não me digam mais nada,
deixem-me escrever em paz.
parece que não vejo
parece que não vos vejo.
estou cego de loucura.
não me chamem mais nomes.
não me amem. odeio-vos por isso.

deixem o meu mundo sossegar,
ele gira depressa demais
e eu não entendo estas voltas,
estas mensagens que chocam contra mim
será que vos oiço? será que vos vejo?
acho-me numa embriaguez sinestésica!
não penso como devia
ou como acho que devia.
nem sinto os meus sentidos
e os sentimentos são jogos estranhos
que sabem mal: são amargos!
são como a música que não inspira
e fere os ouvidos.

enquanto me contradigo,
não te digo.
não peças mais, porque não vou dizer nada.

preciso de mais vinho.
qual é o meu copo?

quinta-feira, 27 de março de 2008

diz-me

desespero
na tentativa de
t(r)ocar os teus lábios,
pelos meus;
em vez disso
fecho os olhos, engulo a língua e inspiro outra vez
não rio, não te vejo
estás demasiado perto para te ver
hoje quero sentir.

domingo, 16 de março de 2008

as sombras.

estive a pensar nas sombras. são estranhas e difíceis de explicar. são só uma silhueta de escuridão que esconde um bocado de alcatrão quando andas na rua, mas é tão estranho. à noite chego a ter três ou quatro sombras ao mesmo tempo por causa dos candeeiros públicos que vão passando por cima de mim. e até encolhem e esticam e começam a desaparecer... conseguem esquivar-se dos carros e nunca são atropeladas, andam o dia todo a rastejar no chão, mas não parecem sujas. cruzam-se com as sombras de outras pessoas e não se confundem, nem se misturam... só estão ali. não sei, faz-me confusão. nunca percebi as sombras e sempre me fascinaram. será que quando está escuro temos sombra? será que somos a sombra? bem, não vemos nada, está escuro e é de noite.

domingo, 9 de março de 2008

Fevereiro

excerto inicial


Eu sempre soube. Nunca quis foi acreditar. Sempre soube que me traías, que não me amavas. Que não gostavas do teu filho porque também era meu. Eu sempre soube. Os sorrisos forçados de soslaio, o muro que construíste na cama. Sempre soube que não estavas comigo quando te tocava. Eu sempre soube que não. Que raiva, odeio-te tanto e não consigo deixar de te amar.

As cartas de amor e de ódio escritas e deitadas ao lixo em Dezembro, eram os desabafos de uma alma em ruínas. Foi assim que Francisco encontrou a melhor forma possível de desabafar sem morrer nem matar. Matar, sim, poderia ser uma forma de gritar e expulsar de dentro de si esta angústia terrível, uma mistura de ternura e de raiva. Estava disposto a isso se soubesse que sentiria algum alívio, se soubesse que a comida lhe saberia a alguma coisa, que um livro teria outras palavras que não o nome dela. Mas ele sempre soube que não seria capaz. Pensara quantas vezes em matar o monstro que amava, a mulher demoníaca que tinha parido o filho que sempre desejou. Mas não, nunca seria capaz, nem de a matar a ela nem de matar ninguém. De quando em vez vinham-lhe umas ganas, quais sedes de vingança, que lhe avermelhavam os olhos e salientavam as veias da testa, mas abafava-as sempre com os punhos cerrados e as unhas cravadas na palma da mão.
Por outro lado, tinha a certeza que o seu filho seria muito mais feliz se a sua mãe se mantivesse longe. Julgava que o estava a proteger de uma fera o que ameaçava de morte, arrependida de lhe ter dado a vida. Francisco estava disposto a tudo para não deixar o seu filho ser visto por aquela mulher. Para ele, ela simplesmente morreu ao dá-lo à luz. Os seus olhos tocaram-se no dia do parto, mas a partir daí, nunca mais se veriam, no que dependesse dele. Se sonhasse apenas que ela pudesse magoar o seu filho, seria capaz. Sim, tinha a certeza: matá-la-ia.

sábado, 8 de março de 2008

maré baixa

preciso de amar para escrever
se não amo, nada me flui
as palavras entopem-se
de sentidos
as palavras entopem-me
os sentidos
de sentidos
sem sentido.

isto não faz sentido.
porque os meus sentidos não têm tido
sentido.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

re.in.vento

tango

um momento é isto:
uma bala que trespassa o coração e que mata tudo
como se se gerasse um buraco negro no seu local.
os sentimentos matam-se uns aos outros numa batalha des-
conhecida e cruel e fantástica
o sangue inunda todas as partes partidas
do corpo cadavérico, dorido dos segundos infindáveis
a que a respiração o obriga.
o ser é um resto de nadas que não há
é um egoísmo insensível, efémero pela morte que se avizinha

vai doer sempre, eu sei.
esta mistura de sentimentos mortos-vivos
de um prazer claustrofóbico e masoquista.
fiquemos só mais uma noite a ver as estrelas
a vê-las dançar no céu cor de prata.
talvez elas saibam o que é sentir.


(derivação do poema "i.", escrito por Bruno Santos e postado anteriormente,
escrita por mim)

re.in.vento

até já

tenho um monstro dentro de mim que vomita
os seus gritos
os meus gritos
toma-me as mãos, faz delas as suas
sinto que a inspiração não alimenta o meu cérebro
e desmaio no seu poder,
oiço o seu riso distante de criatura maléfica
de contos de bruxas e ogres
enquanto tento abrir os olhos, ou fechá-los, não sei bem
parece que a minha pele se escama
parece que as minhas unhas são garras
parece.
não, não parece. perece.

desaparece.


(derivação do poema "ii.", escrito por Bruno Santos e postado anteriormente,
escrita por mim)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

escangalhar

i.

os sentimentos usurpados pelo amor
de uma cor de choro sério rindo
vivem na margem de cada dia como se fosse o último.

o teu segredo será sempre uma cor. por isso
a força dos sent/idos como uma dor em segundos
merecendo uma essência. quem sabe, se uma efémera essência,
abs/tracta, não a espera. abstraída no
esperma. porque não existem as fantasias concretamente? o corpo
não se dá, dá-se o sexo. e o sentimento re/cru/desce,
seja lá qual for o sentimento de que não falamos.


(derivação do poema "uma estrela cadente", postado anteriormente,
escrita por Bruno Santos)

escangalhar

ii.

comunico. por dentro dos vendavais. faço aquilo sem o tom dos olhos da pele.
aquilo como se outra vez roendo a rir por dentro
do texto. quando morrer, sei, não vou sozinho.
levo comigo os vendavais sentindo as mãos que lhe escrevem a pele.
sei, levo aquilo
invejando um dia menor de conhecimento pelo movimento intrínseco
à luz.

agora,
vou sair. peço imensa desculpa pelo inconveniente. é que posso ter causado
todos os vendavais do mundo. dos quais, confesso, não lembro o nome.

(derivação do poema "desta vez não sou eu", postado anteriormente,
escrita por Bruno Santos)

sábado, 29 de dezembro de 2007

uma estrela cadente

Os sentimentos não se dão. Porque não existem.
Mas qualquer coisa merece uma essência, por mais efémera e abstracta que seja.
E a fantasia é a força dos segundos.
Por isso, cada dia é uma dor, um amor, uma cor.
E choro, feliz, e rio, chorando.
E vivo, morrendo.

desta vez não sou eu

ele disse não ia escrever nada porque não tinha inspiração. mas insisti para que escrevesse e disse-lhe: liga lá isso, que o texto aparece, se não escreveres tu escrevo eu. E comecei a escrever pelas mãos dele, sentindo a sua pele, roendo as suas unhas, chorando dos seus olhos. Não sei como fiz aquilo, nem o conheço. mas agora vou sair daqui e hei-de voltar um dia e rir outra vez.
quando morrer não vou sozinho: levo a inspiração,
mesmo sem respirar.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A poesia não existe.

pelo menos eu não a vejo
isto são apenas palavras estúpidas
e sem sentido que são dispostas
desta forma para parecer um poema

agora escrevo outra quadra
assim de baixo para cima
e até faço uma rima
só para mostrar que sei.

e não sou poeta nem escritor.
só grito com os dedos no computador
ninguém me ouve
ninguém me lê
mas eu disse com palavras
que não existem
porque não são um poema, que não se vê
porque não existe.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

dores de cabeça

o mundo é a fantasia que representamos dentro dos nossos olhos.
o reflexo na água é tão fictício como a imagem que se diz reflectida
que sabe ela da sua existência?
que sei eu do homem que vejo no espelho?
não sei nada porque nada posso saber,
toldo a minha própria visão
esqueço-me já de que penso. penso?
estes dedos que penso comandar, porque o faço deste modo? são meus?
o que é isto? que me comunicam estes símbolos?
que quer eu dizer com eles?
para que servem as interrogações se não me respondem?

terça-feira, 6 de novembro de 2007

suores frios

a esperança difusa e inquietante foge-te e acabas com os teus medos ainda que os sintas mais do que nunca.
a dorzinha, aquele frio na barriga transforma-se numa autêntica diarreia cerebral e só sai estupidez disparatada da tua boca. não consegues evitar, tentas e tentas, mas não consegues dizer duas palavras com sentido.

repugnante.
contradizes os teus ideais e mudas de pele mais vezes que uma cobra.

és o lobo e o cordeiro.

e não és nada no fundo porque não vives
a tua vida
não consegues seguir o caminho que traçaste
não
não te quero aqui
deixa-me.

sábado, 6 de outubro de 2007

Há Palavras Que Nos Beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neil

domingo, 16 de setembro de 2007

Das Palavras

As palavras são aquilo que grito, que como, que tento esquecer. Não existo sem falar, nem gritar, ouvir ou pensar surdamente. Daí que a minha insignificante essência apenas se resuma a um amontoado imaginado de palavras que se apresentam como uma canção de embalar que ninguém ousou ouvir, pela morbidez transparente. Loucas letras, saem pela ponta dos meus dedos, e dizem o que não quero, fazendo-me errar e não conseguir fazer a minha boca mexer-se à mesma velocidade em que penso. As palavras contraem-se, esquecem-se e negam-se, mas sem elas não há ser, correm-me nas veias, erráticas dentro de mim, esperando o momento certo para se conjugar: penso em palavras; corto-me, há palavras que jorram de dentro de mim, vermelhas, sujas, ansiosas pela luz do sol e pelo ar putrefacto que não tinham imaginado. Penso nas imagens e logo palavras me enchem os olhos, toldando outras vontades inatas, que se recalcam nos lugarejos mais recônditos da minha mente. As palavras esgotam-nos, fazem-nos perder, magoam-nos e não se preocupam. As palavras que eu tenho são diferentes das tuas e não gostam de se misturar. Os meus sonhos são palavras em forma de nuvem que não se materializaram e que se mostram como aquilo que julgo querer, mas que não sei ao certo: são as utopias inventadas que não significam sensações nem momentos de êxtase. Estas palavras são fotografias egocêntricas que tentam desesperadamente expulsar este monstro de dentro de mim, eliminar o mal-estar, apagar o desconforto e desligar o interruptor do negrume, deixando descansar outra vez a besta, até que os níveis de adrenalina se tornem outra vez insuportáveis e o mau génio da lâmpada volte a aparecer, desejoso. As palavras fazem-me voar, talvez nas nuvens em que nunca toquei, ou nos tapetes mágicos que passam na rua, ondulando de felicidade. Sou enganado por palavras, que me são remetidas por outras palavras falantes: sou ingénuo de palavras e não as uso como elas merecem. Vejo-me nas palavras que suo como o mar se vê nas ondas que manda morrer na praia, abandonando-as à sua sorte, adivinhando as letras que se organizarão nos seus últimos sussurros. As minhas palavras são ditas, riscadas, apagadas, esquecidas. São minhas: trazem do meu sangue nas suas próprias veias de palavras. Mas no fundo são só palavras, banais, ditas sem sentido e sem contexto, escritas sem fim designado. Fruto de devaneios de loucos e sábios. Verdes, douradas e invisíveis. Tristes, bêbadas, estúpidas, egoístas, difíceis, vazias, complexas, decepadas e quietas. São as palavras.

sábado, 8 de setembro de 2007

palavras gastas

vou mudar os móveis de sítio e limpar os restos de um pó que o tempo acumulou por ali não passar ninguém. e voltarei a metê-los no seu devido lugar, até que não faça mais sentido esperar pelo que não vem.

O Monstro

descobri um monstro debaixo da cama
que não me deixa dormir à noite
e me aterroriza o quarto de dia.
alimenta-se dos meus sonhos
e vai parindo os meus pesadelos;
foge-me o sono com o medo
e lá fico acordado outra vez:
temendo que o monstro seja eu,
ou alguma besta fantástica
que inventei dentro de mim.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

rajadas

gotas de vento pingam do céu e enchem-me os olhos de uma vermelhidão dolorosa: não choro porque arde e não rio porque dói. não existo porque não posso sentir. apenas persisto neste vale profundo, soterrado no lodaçal das marés.

sábado, 18 de agosto de 2007

Novidade!


Desculpe, foi engano.

domingo, 5 de agosto de 2007

letras de uma música sem letra

a falTa quE arde No pensamento
Há já tempOs que
me troca maiúsculaS e minúsculAs assim estUpiDAmente
sem que Diga o que quEro
e Sem querer o que digo
deixando-me assim confuso
com as
palavras Trocadas
e as l e t r a s descasadas
nUma miscelâneA de versos soltos
e Sem sentido.

domingo, 8 de julho de 2007

Poemas Mortos

Não me apetece, não me apetece mesmo.

Dissiparam-se as letras da língua que não falo.
Não te incomodes, não tenho vontade.
Como sempre tudo morre antes de nascer.
Não insistas, não quero mais.
As histórias ciciadas por monstros debaixo da cama.
Já disse que não quero mais.
Furacões que se engolem, fortalecem e morrem.
Tenho o suficiente, para mim chega.
Mas come só mais um biscoito.
Não, obrigado. Não me apetece mais.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

"Sorrow"


Sonata ao Luar, de Ludwig van Beethoven (versão adaptada e vocalizada)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Heterónimo Número Três

Aborreces-me
com essas manias
de divisões em caixas estanque,
que não deixam a doçura tocar-se,
fazendo-a sofrer com a separação.

Assim não.
Cria a ligação.

E apaga a luz quando saíres.

sábado, 23 de junho de 2007

Selvagem

Supondo que és eu e que em eu há tu,
quantos tus e quantos eus somam os meus eus e os teus tus?
A matemática deste coração com asas não cabe em sinapses...
Daí que nenhum dos meus eus tenha encontrado um dos teus.
Foste para onde o vento não leva os meus suspiros.
O muro de vidro tapa secretamente um silêncio morto que não nos pertence.
Que mensagens? Que reviravoltas andam lá no meio?
Que identidades trocadas se reviram na miscelânea dos sonhos?
Que tesouros se descobrem a si mesmos dentro de cavernas?

sábado, 16 de junho de 2007

um mundo confuso

a noite empoeirada
ordena-me o movimento...
re vol vo - me na cama:
revolvo-te na memória
lúgubre e ténue
dos momentos felizes.
o luar não me deixa ver,
imagino os traços de um rosto
como se não houvesse tempo.
mas não te sinto aqui.
viro-me para o outro lado
e não durmo outra noite.
..........
demora tanto até as pálpebras
pesarem e fecharem-se sem doer.
abrem-se numa eternidade instantânea
que parecia real.
..........
sonhos doces, os meus.
tens uma coisa no nariz.

domingo, 10 de junho de 2007

13

Quero-te aqui
bem pertinho.

não me deixes
tenho medo...
vem cá. dá-me
um beijo doce
como da outra
vez. olha-me.
profundamente
e devagar com
o ser quieto.
duas palavras
fugazes assim

domingo, 3 de junho de 2007

Silêncio

A expressão que mostras nas fotografias é um ser estranho: não conheço. E então anseio o conhecimento deste novo tu, que me grita aos ouvidos e me preenche a mente. Não sei que arrepios doces ou salgados me provocas, enquanto sabes de cor que os meus olhos te seguem na escuridão do céu, largando-te apenas quando não conseguem mais suportar a exaustão.
Julgam eles que sabem. Sonhos...

sábado, 2 de junho de 2007

agitação nocturna

Não. Não consigo dormir. Não consigo deixar o meu cérebro desligar-se do mundo e esquecer. Até já falo baixinho. Parece que todas as palavras do mundo me entram nos ouvidos ao mesmo tempo. Os lençóis enrolam-se no meu corpo apertando-me no teu corpo imaginado. O calor faz-me querer rasgar a pele e sair de dentro desta morte quente. Suo e quero o tempo. Quero descansar. E não consigo. É então que vejo tudo o que não fiz hoje e que tive uma vontade inconcebível de fazer. Mas falta qualquer coisa. Falta sempre qualquer coisa. Qualquer coisa que não entendo. E que não sei se quero entender.
Mas qualquer coisa.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Túnel de Sombras Dispersas

Grito no escuro.
Baixinho para não acordar ninguém.
O sono foge de mim
como aquilo que não tenho.
As palavras entram-me pelos olhos e saem-me pela nuca
formando combinações estúpidas que não entendo.
Não penso; não sei pensar. Esqueci-me.
Não amo. Não sei amar. Esqueci-me.
Tento libertar-me
e voar, mas não.
Esta música, que me devia acalmar,
puxa-me os cabelos.
Terrível, o vento leva-a, ecoando,
fazendo-me lembrar outra vez
desta falta de nada, este deserto abundante...
Ainda falta tanto.


sábado, 19 de maio de 2007

Um resto de Nuvem


O tempo passou por mim como o vento pelas folhas das árvores: fez-me cócegas e eu não me ri. Persisti na ignorância impia dos minutos, inquisidores dos sorrisos das pessoas. Tudo passa por mim sem criar raízes, tudo foge na corrente dos dias. As poucas certezas que julgo ter escorrem-me pelos dedos como água, enquanto os meus sentimentos morrem e renascem num fenesim assustador.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Palavras


O mar as leva,
o mar as traz.

Presas em garrafas de vidro verdes.
Navegam até uma praia distante
que mora no teu ouvido.
Ondas de saudade e de paixão
rolam e embatem nas rochas do teu coração.
Naufragam enfim
noutros portos,
noutras ilhas,
noutros mares.
Onde conhecem
outros olhos,
outros ouvidos,
outras praias.