domingo, 16 de setembro de 2007

Das Palavras

As palavras são aquilo que grito, que como, que tento esquecer. Não existo sem falar, nem gritar, ouvir ou pensar surdamente. Daí que a minha insignificante essência apenas se resuma a um amontoado imaginado de palavras que se apresentam como uma canção de embalar que ninguém ousou ouvir, pela morbidez transparente. Loucas letras, saem pela ponta dos meus dedos, e dizem o que não quero, fazendo-me errar e não conseguir fazer a minha boca mexer-se à mesma velocidade em que penso. As palavras contraem-se, esquecem-se e negam-se, mas sem elas não há ser, correm-me nas veias, erráticas dentro de mim, esperando o momento certo para se conjugar: penso em palavras; corto-me, há palavras que jorram de dentro de mim, vermelhas, sujas, ansiosas pela luz do sol e pelo ar putrefacto que não tinham imaginado. Penso nas imagens e logo palavras me enchem os olhos, toldando outras vontades inatas, que se recalcam nos lugarejos mais recônditos da minha mente. As palavras esgotam-nos, fazem-nos perder, magoam-nos e não se preocupam. As palavras que eu tenho são diferentes das tuas e não gostam de se misturar. Os meus sonhos são palavras em forma de nuvem que não se materializaram e que se mostram como aquilo que julgo querer, mas que não sei ao certo: são as utopias inventadas que não significam sensações nem momentos de êxtase. Estas palavras são fotografias egocêntricas que tentam desesperadamente expulsar este monstro de dentro de mim, eliminar o mal-estar, apagar o desconforto e desligar o interruptor do negrume, deixando descansar outra vez a besta, até que os níveis de adrenalina se tornem outra vez insuportáveis e o mau génio da lâmpada volte a aparecer, desejoso. As palavras fazem-me voar, talvez nas nuvens em que nunca toquei, ou nos tapetes mágicos que passam na rua, ondulando de felicidade. Sou enganado por palavras, que me são remetidas por outras palavras falantes: sou ingénuo de palavras e não as uso como elas merecem. Vejo-me nas palavras que suo como o mar se vê nas ondas que manda morrer na praia, abandonando-as à sua sorte, adivinhando as letras que se organizarão nos seus últimos sussurros. As minhas palavras são ditas, riscadas, apagadas, esquecidas. São minhas: trazem do meu sangue nas suas próprias veias de palavras. Mas no fundo são só palavras, banais, ditas sem sentido e sem contexto, escritas sem fim designado. Fruto de devaneios de loucos e sábios. Verdes, douradas e invisíveis. Tristes, bêbadas, estúpidas, egoístas, difíceis, vazias, complexas, decepadas e quietas. São as palavras.

3 comentários:

Anónimo disse...

"As palavras são coisas"

*

Anónimo disse...

gostei bastante da tua prosa

até apetece dizer
que as palavras não são coisas nenhumas, embora saibam bem fingir sê-lo

Anónimo disse...

"Penso nas imagens e logo palavras me enchem os olhos"...

:(