quinta-feira, 27 de março de 2008

diz-me

desespero
na tentativa de
t(r)ocar os teus lábios,
pelos meus;
em vez disso
fecho os olhos, engulo a língua e inspiro outra vez
não rio, não te vejo
estás demasiado perto para te ver
hoje quero sentir.

domingo, 16 de março de 2008

as sombras.

estive a pensar nas sombras. são estranhas e difíceis de explicar. são só uma silhueta de escuridão que esconde um bocado de alcatrão quando andas na rua, mas é tão estranho. à noite chego a ter três ou quatro sombras ao mesmo tempo por causa dos candeeiros públicos que vão passando por cima de mim. e até encolhem e esticam e começam a desaparecer... conseguem esquivar-se dos carros e nunca são atropeladas, andam o dia todo a rastejar no chão, mas não parecem sujas. cruzam-se com as sombras de outras pessoas e não se confundem, nem se misturam... só estão ali. não sei, faz-me confusão. nunca percebi as sombras e sempre me fascinaram. será que quando está escuro temos sombra? será que somos a sombra? bem, não vemos nada, está escuro e é de noite.

domingo, 9 de março de 2008

Fevereiro

excerto inicial


Eu sempre soube. Nunca quis foi acreditar. Sempre soube que me traías, que não me amavas. Que não gostavas do teu filho porque também era meu. Eu sempre soube. Os sorrisos forçados de soslaio, o muro que construíste na cama. Sempre soube que não estavas comigo quando te tocava. Eu sempre soube que não. Que raiva, odeio-te tanto e não consigo deixar de te amar.

As cartas de amor e de ódio escritas e deitadas ao lixo em Dezembro, eram os desabafos de uma alma em ruínas. Foi assim que Francisco encontrou a melhor forma possível de desabafar sem morrer nem matar. Matar, sim, poderia ser uma forma de gritar e expulsar de dentro de si esta angústia terrível, uma mistura de ternura e de raiva. Estava disposto a isso se soubesse que sentiria algum alívio, se soubesse que a comida lhe saberia a alguma coisa, que um livro teria outras palavras que não o nome dela. Mas ele sempre soube que não seria capaz. Pensara quantas vezes em matar o monstro que amava, a mulher demoníaca que tinha parido o filho que sempre desejou. Mas não, nunca seria capaz, nem de a matar a ela nem de matar ninguém. De quando em vez vinham-lhe umas ganas, quais sedes de vingança, que lhe avermelhavam os olhos e salientavam as veias da testa, mas abafava-as sempre com os punhos cerrados e as unhas cravadas na palma da mão.
Por outro lado, tinha a certeza que o seu filho seria muito mais feliz se a sua mãe se mantivesse longe. Julgava que o estava a proteger de uma fera o que ameaçava de morte, arrependida de lhe ter dado a vida. Francisco estava disposto a tudo para não deixar o seu filho ser visto por aquela mulher. Para ele, ela simplesmente morreu ao dá-lo à luz. Os seus olhos tocaram-se no dia do parto, mas a partir daí, nunca mais se veriam, no que dependesse dele. Se sonhasse apenas que ela pudesse magoar o seu filho, seria capaz. Sim, tinha a certeza: matá-la-ia.

sábado, 8 de março de 2008

maré baixa

preciso de amar para escrever
se não amo, nada me flui
as palavras entopem-se
de sentidos
as palavras entopem-me
os sentidos
de sentidos
sem sentido.

isto não faz sentido.
porque os meus sentidos não têm tido
sentido.